sábado, 24 de abril de 2010

Sem Nome, Sem Teto e Sem Alma


As luzes tremulavam enquanto as cortinas dançavam sinuosamente motivadas pelas finas camadas de vento que circundavam as frestas daquela velha janela, e ele estava ali sentado, mórbido e atônito respirando aquela espessa fumaça formada pelos cigarros que o deixava mórfico e sem vida.


A maquina de escrever estava encima daquela mesa gélida de madeira escura dividindo espaço com papeis amarelados e objetos empoeirados.


As frases daquelas folhas amareladas, pareciam flutuar em meio aquele turbilhão de ar potrificado que circulavam por aquele quarto, eram frases, pensamentos e injurias do qual escapara de sua mente, seus últimos suspiros, seus resquícios de vida cuspidos naqueles papeis sem vida.


O vento continuava a assombrar assentando e balançando vez enquanto aquelas cortinas de um vermelho sangue envelhecido. As paredes pareciam chorar e gritar a cada piscada que aquele ser agonizante dava.


Ele estava jogado naquele canto mais escuro e úmido do quarto, suas roupas eram nobres, calças cinzas e camisa da melhor ceda que o mercado poderia vender, mas seus corpo surrado e de um pálido mortal repousava de forma fetal enquanto pequenos filetes de saliva escorria pelo canto ressecado de seus lábios.


Enquanto as luzes daquele quarto bruxelavam sinuosamente velando aquele corpo recaído de olhos azuis orbitados, lá fora o céu desbotado de um inverno visceral despejava sobre os telhados os primeiros pingos de uma chuva fina, fazendo gelar aos poucos o ventos que adentrava no quarto.


A fumaça do cigarro que subia daquele cinzeiro de ferro batido abarrotado de cinzas e pequenas bitucas, dissipava-se pelo quarto vazando aos poucos pelos ranhos da porta que levava diretamente as escadas da frente do prédio.


A chuva continuava a cair calmamente e da palidez do céu da cidade brotava os primeiros pontos luminosos através das densas nuvens preludiando as horas daquele dia.


Ele tenta se levantar estica a mão em direção daquele ultimo cigarro que ainda queimava, seus ossos rangem, sua pele pálida se torna morna e escamosa e um pequeno gemido se ouve enquanto seus olhos viram sobre as orbitas. Uma pequena camada de poeira e cheiros dança quando novamente seu corpo cai tocando aquele surrado colchão.


Lá fora pela rua estreita pedregulhada, um pequeno carro preto corta a chuva com velocidade, parando em frente aquele quarto de forma visceral. Lanternas quentes, motor efervescente, mas olhos neutros, corações frios. Dois ternos de um azul noturno despontam de dentro do carro, um menor e outro um pouco mais robusto, gravatas apertadas, colarinhos altos e mãos empunhadas com pólvora e aço.


A chuva os deferia imperceptivelmente a cada passo que eles desbravavam rumando para as luzes bruxelantes e o quarto quase sem vida.


As botas de um couro brilhoso e de solado de uma borracha espessa e fibrosa rangiam enquanto eles adentravam por aquele corredor curto de paredes de um bege pálido com rachaduras do qual deslizavam um muco gelatinoso deixando a mostra à velhice daquele lugar.


A sensação era de um sufocante infernal para aqueles dois seres que adentravam com destreza através daquele corredor escuro, a escada com degraus íngremes e dislexos que os levavam diretamente aquela porta fria de um mogno desalinhado com desenhos naturais que pareciam pequenas estradas para formigas e cupins.


Eles se entreolharam e forçaram veemente a porta, até que as trancas de um ferro alaranjado devido aos anos de uso e entregue à ferrugem, dissiparam-se e cairão ao chão como um papel descartado.


Aquele corpo de respiração forte que jazia ainda caído naquele canto do quarto se encolheu ainda mais, não se ouviu uma só palavra, somente um murmúrio esquisito entre os dois seres, enquanto aqueles olhos esverdeados fitavam aqueles dois pares de olhos de uma cor perolada.


Aquele ser caído tentava falar mais sua voz faltava, lagrimas brotaram nos seus olhos secos e ele se calou. As duas figuras rondaram o quarto procurando algo, papeis foram remexidos, e mais murmúrios pode ser percebido, os olhos que por momentos transmitiam neutralidade agora trazia em sua essência uma fugaz fúria.


Foram em direção aquele ser enquanto ele soltava pequenos gemidos e se comprimia quase se fundindo ao muco que escorria da parede.


Por um momento as luzes bruxelantes se apagaram, gritos, rasgos, cuspidas, murmúrios e vozes salientes foram ouvidos. Cheiro de pólvora, um barulho ensurdecedor e o cheiro de sangue tomou o lugar deixando um rastro entre as ranhuras do piso de madeira.


Portas se fecharam, passos, roncos de motor, chuva e fumaça transbordou toda a cena enquanto a cidadela era encoberta pela manta de um azul negro bordado por estrelas.