Silêncio
As luzes do banheiro estavam apagadas e o que iluminava seu
corpo era a luz da lua que entrava pelas frestas distantes e arredondadas da
janela, a água do chuveiro caia de forma límpida e rebatia sobre teu corpo como
agulhas afiadas adentrando por dentro de sua pele, carne, alma.
O calor era insuportável e aquela água quente deixava seu
corpo flamejante e latejante o deixando nauseante. Sentado a baixo daquela
cachoeira de poeiras e lagrimas da terra estava ele, despido de seus pudores,
prazeres e os mais celebres desejos, nu de todas as suas faculdades, de todas
as iras do qual sempre o provocará a fazer coisas do qual ele pouco entendia.
O choro era compulsório não tinha mais como posterga as lagrimas
contida a tanto invernos e a tantos desprazeres que o desferia de forma
abrupta.
Levanta a mão, puxa um pequeno e surrado espelho e se olha
de forma empírica, superficial, suas curvas volumosas e seu corpo surrado e
sujo... Sujo dos crimes e sofrimentos que ele causou a si. Seu rosto já não era
mais o mesmo, a barba semi-serrada e os olhos caídos era a clara e mais humilhante
forma de cansaço, não físico mas seu espírito já velho e abatido refletia sobre
seus olhos já sem brilho, vida.
Tudo se silenciava em sua volta e aquele barulho infernal da
água batendo sobre suas costas não o deixava atordoado.
As lagrimas escorriam sobre seu rosto, peito e coxas
enquanto acuado dentro de si e de forma fetal ele tentava entender o que tinha
havido, como chegou ali? Porque dessa forma? Será que aqueles monstros que
tanto o atormentava haviam ressuscitado a ponto de ele não ser mais o dono de
seus movimentos, o ventríloquo fazendo o papel do mais barato brinquedo?
As perguntas vinham de forma categórica em uma epifania onírica,
as visões eram turvas e aquela luz maldita de se refletia sobre a água que
escorria pelo pequeno e enferrujado ralo suas expectativas de uma vida mais
pura, refletia seus sonhos e desejos mais infames, e tudo escorria, tudo
acabava indo para o esgoto de fezes e dejetos putrificados.
As lagrimas se tornaram mais vorazes, e sua imagem refletida
naquele velho espelho se tornava turva e com pouca vida.
Silêncio, atenção, Silêncio...
Tudo se silenciou, seu coração por um momento parou, e toda
aquela metamorfose, toda aquela sofreguidão por um momento parou.
Ele levanta ainda estonteante, escorrega e cai desferindo
sua cabeça, o sangue escorre e mancha de vermelho aquela água pura que a pouco
lavava tua alma. Apressado ele encontra na primeira gaveta de madeira ruim e
farelenta os comprimidos que iria por um fim naquele sofrimento...
Um mais um, Silêncio, dor, angustia, repudio de um dia ter
feito... Torpor, sua alma se entorpece e seu corpo cai sobre sangue, fezes e água.